Duas mulheres contra o etarismo

No mundo corporativo, Fran Winandy luta para que o idoso seja valorizado e contratado; no setor de saúde, Isabel Moura atua no combate à solidão do paciente idoso. Conheça suas histórias

Ao longo de sua carreira como gestora e consultora de RH, Fran Winandy lidou muitas vezes com a questão da idade. Quando fazia seleção de pessoal, todos os cargos tinham faixa etária média. Em outros programas de “jovens talentos” esse também era um critério. E, no mestrado, deparou-se com a disciplina Diversidade e aprendeu sobre o etarismo. “Adoro esse assunto porque ele me persegue há muito tempo e me toca profundamente. Nós mulheres somos assombradas pelo etarismo em diversas fases da nossa vida: idade para casar, para ter filhos, da menopausa, e por aí afora”, considera.

O “mais democrático e maior dos preconceitos”, já que se soma a todos os outros, nas palavras da fundadora do site Etarismo, tem um impacto ainda mais perverso sobre as mulheres. “Basta ver os percentuais em cargos de liderança e as grandes diferenças salariais entre homens e mulheres.” 

A mudança na aparência, com o surgimento de rugas e cabelos brancos, torna a questão mais evidente.

“O envelhecimento traz uma carga de estereótipos negativos, como as supostas dificuldades cognitivas, falta de destreza digital, teimosia e inflexibilidade, para citar alguns”

Fran Winandy, do blog Etarismo

E apesar de todos os obstáculos, preconceitos e falta de incentivos, as mulheres 50+ querem, sim, ocupar seu espaço no mercado de trabalho. “Aos 50, a mulher que está bem de saúde, está no auge de sua energia e quer produzir, enfrentar desafios interessantes e contribuir com a sua bagagem profissional”, avalia Fran.

Seja para manter a independência financeira, amenizar a solidão do “ninho vazio” quando os filhos adultos começam a sair de casa ou pela vontade de se sentir úteis, mais homens e mulheres procuram estender suas carreiras e até mesmo buscar novos rumos profissionais após os 50 anos. “O trabalho funciona como elemento importante na manutenção da saúde física, cognitiva e emocional. O ambiente de trabalho propicia o contato com outras pessoas, a manutenção da autoestima e o reconhecimento social”, enumera. 

Recomeço depois dos 50

Isabel Moura seguiu o fluxo conhecido de muitas mulheres: estudou, casou, teve filhos e, durante todo esse período, trabalhou, mas não conseguiu exercer a profissão para a qual se formou: Psicologia. Aos 44 anos, buscou um recomeço profissional, ao cursar sua segunda faculdade, Pedagogia. A experiência como mediadora escolar, porém, foi curta. 

A grande virada na carreira veio mesmo depois dos 50, com uma oportunidade que surgiu nas redes sociais. “No início de 2020, eu vi uma vaga no Facebook e, aos 51 anos, resgatei a psicóloga que estava adormecida em mim”, relembra. Com os filhos Marina, Maynara e Carlos Henrique já crescidos, Isabel se tornou conselheira da Laços Saúde, atuando no cuidado à saúde mental do paciente, especialmente os idosos.

Isabel Moura, da Laços Saúde: “aos 51 anos, resgatei a psicóloga que estava adormecida em mim”

Em sua jornada de trabalho, Isabel percebe a solidão e os preconceitos contra os idosos. “Irrita quando vejo as pessoas tratarem o idoso como se tivesse dois anos. Fiz estágio em Educação para Jovens e Adultos (EJA) e entendi que não podemos falar: ‘vovô viu a uva’, como fazemos para ensinar as crianças. Precisamos contextualizar a atividade para a realidade dessas pessoas.”

Dentro da família, o etarismo surge na falta de paciência ou de tempo para conversar com os idosos, o que aumenta o sentimento de solidão, especialmente nestes tempos de isolamento social. “Eles tinham uma rotina e agora se sentem limitados, não podem ir à rua, não visitam os netos, não vão ao salão de beleza ou à feira. Essa sensação de estarem presos causa muita irritação e tristeza.”

Emprestar os ouvidos e trazer uma palavra amiga ajuda a demover o idoso de sua tristeza profunda e mostra que, apesar das limitações, ele também tem muitas oportunidades e motivos para sentir-se bem. “Os pacientes querem compartilhar histórias da vida pessoal e profissional e vão repetir o que for mais significativo na vida deles. Eu tenho lições diárias com os pacientes, é um trabalho muito gratificante e humano.”

Isabel, que ajudou a construir a figura de conselheira na Laços Saúde, ao ser a primeira profissional a ocupar o cargo, aprecia a convivência com uma equipe com experiências profissionais e de vida diferentes e aposta no crescimento dos serviços de combate à solidão.

“Nossa população idosa vai aumentar exponencialmente e a pandemia ainda trouxe o legado de comprometimento da saúde mental. As pessoas estão percebendo que cuidar das emoções é fundamental para o bem estar do paciente”. 

Isabel Moura, da Laços Saúde

Online, por telefone ou, ocasionalmente, na casa do idoso, a companhia e o estímulo às memórias afetivas não somente emocionam Isabel, como mantêm o paciente conectado ao seu entorno e ao seu propósito de vida. “A fase da velhice está dentro do processo de envelhecimento, mas não devemos supor que ela se esgota em si própria. Fazer parte da sociedade, sentir-se útil, assimilar as mudanças, físicas, psicológicas e sociais são elementos que enriquecem o processo e trazem a tal qualidade de vida às pessoas”, conclui Fran.