A mentalidade do futuro da Saúde

Para que o discurso de atendimento centrado no paciente saia do papel, é preciso mudar incentivos, modelos de remuneração e de trabalho. Na parceria entre Laços Saúde e Capesesp, prevalece o capitation, como explicam João Paulo Reis e Michelle Mello

Quando fazia parte da Agência Nacional de Saúde Suplementar, Michelle Mello participou de inúmeras iniciativas para repensar os modelos de pagamento, de forma a contribuir para a sustentabilidade do setor e melhorar a qualidade do atendimento aos pacientes. Muitas discussões depois, vendo que pouca coisa saía do papel, decidiu encabeçar uma iniciativa na empresa da qual é sócia, a Laços Saúde.

“Minha ideia era fazer o bem para o sistema de saúde e buscar o equilíbrio financeiro com a gestão de saúde populacional. Apostamos no modelo de capitation e começamos um projeto piloto com a Capesesp (Caixa de Previdência e Assistência dos Servidores da Fundação Nacional de Saúde)”, conta. Neste método, o prestador de serviços recebe um valor fixo por paciente, em oposição à atual cobrança por procedimentos e materiais empregados (fee for service). Por isso, a viabilidade econômica depende da racionalização de recursos. Uso rigoroso de protocolos, controle dos dados, processos bem documentados e foco em prevenção são a tônica para que a parceria entre a operadora e a empresa de atenção domiciliar funcione.

O perfil da Laços Saúde, focado na autonomia e postergação dos marcos de fragilidade do idoso, casou com o da Capesesp, que conta com cerca de 50% de clientes nesta faixa etária. No projeto piloto, um grupo de 70 idosos começou a ser acompanhado proativamente, com contato remoto e presencial sempre que necessário.

“A maioria das operadoras não conhece sua população de beneficiários. Nós sabemos o perfil geográfico e epidemiológico, então, selecionamos esse grupo para o projeto. É um modelo inovador de remuneração e de trabalho. O prestador de serviços precisa ser eficaz e a operadora consegue ter uma previsibilidade financeira maior. Assim, compartilhamos o resultado, que deve ser sempre focado no estado clínico do paciente, não somente na redução do uso de recursos”, explica o diretor-presidente da Capesesp, João Paulo Reis.

Além do Net Promoter Score (NPS), que mede a satisfação dos clientes, a Laços Saúde conta com um dashboard que mede a evolução na linha de cuidado, as vezes que a equipe de enfermagem conseguiu tratar o paciente em casa sem acionar a rede hospitalar e as vezes que o teleatendimento evitou o uso desnecessário recursos.

“Considerando todas as operadoras que são nossas clientes, conquistamos uma efetividade de mais de 80% na gestão domiciliar e economizamos R$ 3,50 para cada R$ 1 investido em nosso programa”

Michelle Mello

O capitation exige também uma mudança de mentalidade de ambos os lados, com mais transparência e novos processos administrativos e de faturamento. Capesesp e Laços Saúde se reúnem periodicamente para discutir casos, a gestão da carteira e os resultados clínicos alcançados. “É uma relação de mais confiança e flexibilidade, em que o que importa é o estado de saúde do paciente”, define Reis. Como forma de estimular a adoção do capitation em outras linhas de cuidado, a Capesesp estuda também bonificar os prestadores de serviços por metas clínicas atingidas. 

Fortemente baseado em dados, o capitation ajuda também a unificar os discursos de qualidade para o paciente, da área clínica, e o de custos evitáveis, da área financeira. “Sensibilizamos o gestor ao mostrar que há retorno para o investimento em qualidade de vida do paciente. Com uma abordagem holística e de atenção multidisciplinar, também conquistamos a confiança do paciente, evitamos a perda de tempo e os riscos associados ao ambiente hospitalar e mostramos para a família que nosso modelo de trabalho é seguro. Mexemos com o status quo, mas é gratificante fazer parte deste movimento para trazer mais qualidade para a saúde”, conclui Michelle.