Pacientes com doenças crônicas ou que precisam se recuperar de cirurgias complexas sabem que receber a alta hospitalar não é o fim de seu tratamento. A volta à casa ou a ida a uma instituição de cuidados extra-hospitalares, porém, já é um passo rumo à recuperação e readaptação fora do hospital.
“Lentamente, estamos migrando para novos arranjos no processo do cuidar. A transição do cuidado para outros espaços extra-hospitalares, quer seja o ambiente domiciliar ou clínicas especializadas para esse fim, principalmente para pessoas com doenças crônicas ou em cuidados paliativos, vem crescendo a cada dia”, explica Cristina de Araújo Lasevicius, coordenadora do curso de pós-graduação em Gestão da Qualidade e Segurança do Paciente no Centro Universitário Senac.
Do ponto de vista do paciente, essa migração se deve à busca por mais segurança, evitando o excesso de intervenções diagnósticas e terapêuticas que podem causar danos (iatrogenia). Porém, a pandemia ressaltou também a urgência de se reformar os modelos de atenção, para que os recursos sejam usados de forma mais racional.
Houve a necessidade de desenvolver novos protocolos, fluxos e processos de trabalho para melhorar a gestão dos serviços, no entanto, como lembra Cristina, “além da desinstitucionalização da pessoa internada em ambiente hospitalar, deve-se prevenir a sua reinternação desnecessária.”
Por isso, a desospitalização precisa ser planejada, para evitar readmissões, sobrecarga dos serviços de emergência e o agravamento do quadro clínico do paciente por algum evento adverso. Neste contexto, “a participação da família é vista como elemento essencial no processo do cuidado, pois pode contribuir com a adesão ao tratamento de saúde e com as orientações da equipe multiprofissional”, acrescenta a docente.
Do lado dos prestadores de serviços extra-hospitalares, alguns princípios devem ser seguidos. A Health Foundation, instituição que financia, pesquisa e analisa políticas e projetos voltados à melhoria da qualidade da saúde no Reino Unido, lista os pontos para mover o centro de cuidado do hospital para o paciente: tratamento com dignidade, compaixão e respeito, coordenação e personalização do cuidado, apoio à independência e plenitude das pessoas, ajudando-as a reconhecer e desenvolver suas próprias aptidões e competências.
Cristina aponta também como os serviços de atenção domiciliar podem ganhar a confiança dos clientes. “A atenção domiciliar precisa ser oferecida de forma organizada e planejada, com o apoio da equipe interdisciplinar e práticas de educação em saúde, embasando-se sempre no princípio da integralidade da atenção”. Essa abordagem estimula a autonomia dos pacientes e familiares e os prepara para o autocuidado.
Porém, de nada adianta uma boa oferta de serviços extra-hospitalares, familiares preparados e pacientes educados para o autocuidado se a assistência não for integrada e não responder às demandas de saúde da sociedade.
“O sistema de atenção à saúde fragmentado, reativo, episódico e voltado, principalmente, para o enfrentamento das condições agudas e das agudizações das condições crônicas não pode atender a essa situação de saúde que temos atualmente”
Cristina de Araújo Lasevicius, coordenadora do curso de pós-graduação em Gestão da Qualidade e Segurança do Paciente no Centro Universitário Senac
É preciso, então, organizar o sistema de forma integrada, implantar as redes de atenção à saúde e ampliar o foco na atenção primária. “Essas redes devem ofertar serviços de saúde que incluam ações desde a promoção da saúde, prevenção das doenças, diagnóstico precoce e tratamento oportunos, até a reabilitação e os cuidados paliativos. Tudo isso sob a articulação da Atenção Primária à Saúde, que deveria atuar como a porta de entrada para o sistema, integrando e coordenando a atenção e, desta forma, atendendo às necessidades de saúde da população”, conclui.